Sobre Camões haveria muitíssimas coisas para dizer mas apenas deixarei aqui um dos seus poemas mais actuais... Vocês já viram o quão actual era aquele que vimos no curso sobre a mudança dos tempos, a mudança do mundo...
O poema seguinte, talvez, para mim, o mais bonito de Camões, foi recitado, declamado e escrito mil e uma vezes por aí...
Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
Deste poema e doutros desse período camoniano, diz-se haver já uma porta aberta para o estilo barroco, por causa do jogo de palavras e antíteses... Mas o que nos interessa aqui? Pois o aspecto actual e autêntico do amor: quem não sofreu já do amor sentimentos tão contraditórios como estes?
O poema é tão actual que o grupo brasileiro "Legião Urbana", na minha opinião o melhor grupo pop-rock brasileiro dos anos 80/90, lançou em 1989, no seu disco "As Quatro Estações" a música "Monte Castelo" na qual mistura os versos do "Amor é fogo que arde sem se ver" de Camões com elementos dos "Coríntios 13" da primeira epístola do Apóstolo Paulo.
Resultado, uma bonita canção de amor, bem ao gosto dos anos 80/90 mas com uma letra espectacular que nunca perderá o seu valor.
Os Lusíadas
Vocês puderam ver também no curso virtual e na Wikipédia que a grande obra de Camões foi, sem dúvida alguma, a epopeia “Os Lusíadas”, uma obra épica com 10 cantos com aproximadamente 110 estrofes em oitava, com versos decassílabos.
Nesta obra, narra-se, através da viagem de Vasco da Gama à Índia, a importância do povo Português naquela altura e os grandes momentos da sua história.
O Velho do Restelo
Deixo-vos aqui, pois, um pequeno excerto da obra, a do Velho do Restelo.
O Velho do Restelo é uma personagem criada pelo poeta no canto IV da obra. O Velho do Restelo simboliza os pessimistas, os conservadores e os reaccionários que não acreditavam no sucesso da epopeia dos descobrimentos portugueses, e surge na largada da primeira expedição para a Índia com avisos sobre a odisseia que estaria prestes a acontecer:
94
Mas um velho, de aspecto venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
95
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
96
- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
97
- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Os Lusíadas, Canto IV, 94-97
A expressão «Velho do Restelo» é actualmente utilizada, conforme a intenção inicial de Luís de Camões, para representar o conservadorismo.
A Ilha dos Amores
Outro dos momentos muito controversos da obra é a chamada Ilha dos Amores, uma oferta da deusa Vénus aos marinheiros portugueses como prémio pela sua valentia, coragem e sucessos. Essa parte da obra foi, durante muito tempo e, sobretudo durante a ditadura salazarista, censurada e eliminada das publicações dado o carácter erótico de certas passagens. Para quem gosta de ler e de poesia, porque não dar uma vista de olhos na obra e buscar esses curiosos e importantes momentos da literatura portuguesa?
SONETOS
Para não me estender demasiado, deixarei aqui também alguns dos sonetos mais conhecidos de Camões (Repetindo declamados pelo conhecido actor, encenador e declamador português, João Villaret. O nosso já conhecido “Amor é fogo que arde sem se ver”; “Sete anos de Pastor Jacó servia” e "Alma minha gentil que te partiste":
Sete anos de Pastor Jacó servia
Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela,
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!
E finalmente, um hino à memória daquela que teria sido a sua amada, morta no famoso naufrágio do rio meKong, a chinesinha Dinamene.
Alma minha gentil, que te partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Bom, vou ficar por aqui e, já sabem, deixem algum comentário sobre isto tudo por aqui, ok? Abraços a todos!
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8 comentários:
Mais um bocadinho de informação
No século XX foram cantados os versos de Camões, cujo estilo resultou ser ideal para o fado. Por exemplo, as letras do fado “Com que voz” não só contém palavras próprias do fado como chorar, triste, paixão, dor, tristeza, amor, vida,... Também contém a palavra fado, depois convertida no nome deste tipo de canções.
Camões dava-lhe o sentido de “destino”. É por isso que, quando o segundo significado de “fado” entrou na língua, os versos do grande poeta português ganharam um novo sentido.
Depois da sua interpretação pela Amália Rodrigues, nos jornáis portugueses surgiu a discussão sobre se é justificado ou não “afadistar” Camões. A resposta foi afirmativa. Como é que ia ser outra, não acham? Bom, acabo com “Com que voz”. Até a próxima.
Com que voz, chorarei meu triste fado
Que em tão dura paixão me sepultou
Que mor não seja a dor que me deixou
O tempo, de meu bem desenganado.
Mas chorar não se estima neste estado
Aonde suspirar nunca aproveitou
Triste quero viver, pois se mudou
Em tristeza a alegria do passado.
De tanto mal, a causa é amor puro
Devido a quem de mim tenho ausente
Por quem a vida e bens dele aventuro.
Olá M. José,
Obrigado uma vez mais por abrir os comentários... Eu tinha encontrado também algumas outras canções por aí com letras de poemas de Camões. O mesmo acontece como poemas de F. Pessoa... e gosto de tantas coisas que os teria bombardeado com informações... Assim que tive de reduzir... Um beijinho!
Sou a Alicia,
no próximo verão, quando tenha mais tempo, vou ler mais sobre a obra de Camões, porque um estudante de português não é bom estudante se não os cochece.
Olá Alicia,
Falar em Camões é quase sempre falar de "Os Lusíadas" e ler essa obra é quase como um castigo. Quantos espanhóis leram "Dom Quixote" na íntegra? Imagino que muito poucos e não deixa de ser todo um clássico. Mas a nível lírico, como vimos, Camões deixou-nos um repertório poético maravilhoso e que sempre mantém a sua actualidade... Procura ler poemas dele, sobretudo os sonetos... Beijinhos!
Olá, Jacques!
O amor e a dor: verdadeiros sentimentos dos namorados. O sofrimento da paixão, o fogo não extinto, a morte por amor,... certo?
Não. Ninguém morreu por ter amado: morreu por não ser correspondido.
Os poemas épicos têm a origem na remota Grécia. Os inícios da Ilíada do Homero vem-se reflectos primeiro na Eneida do Vergilioe noutras epopeias pposteriores como em Os Luisíadas. Vejamos os primeiros versos das três obras:
Ilíada
Μῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληϊάδεω Ἀχιλῆος
οὐλομένην, ἣ μυρί᾽ Ἀχαιοῖς ἄλγε᾽ ἔθηκε,
πολλὰς δ᾽ ἰφθίμους ψυχὰς Ἄϊδι προΐαψεν
ἡρώων, αὐτοὺς δὲ ἑλώρια τεῦχε κύνεσσιν
οἰωνοῖσί τε πᾶσι, Διὸς δ᾽ ἐτελείετο βουλή,
ἐξ οὗ δὴ τὰ πρῶτα διαστήτην ἐρίσαντε
Ἀτρεΐδης τε ἄναξ ἀνδρῶν καὶ δῖος Ἀχιλλεύς.
(Canta, oh diosa, la cólera mortífera de Aquiles, el Pelida
que tantos dolores trajo a los Aqueosy tantas almas valientes de héroes lanzó al Hades,quedando sus cuerpos como presa para perros y avesde rapiña, mientras se cumplía la voluntad de Zeus,desde el momento en que primero se enfadaronel Atrida, soberano de los hombres, y el divino Aquiles)
Eneida
Arma virumque cano, Troiae qui primus ab oris
Italiam fato profugus Laviniaque venit
litora, multum ille et terris iactatus et alto
vi superum, saevae memorem Iunonis ob iram,
multa quoque et bello passus, dum conderet urbem
inferretque deos Latio; genus unde Latinum
Albanique patres atque altae moenia Romae.
Musa, mihi causas memora, quo numine laeso
quidve dolens regina deum tot volvere casus
insignem pietate virum, tot adire labores
impulerit. tantaene animis caelestibus irae?
Os Luisíadas
As armas e os barões assinaladosQue da Ocidental praia Lusitana,Por mares nunca dantes navegadosPassaram ainda além da Taprobana,Em perigos e guerras esforçadosMais do que prometia a força humana,E entre gente remota edificaramNovo Reino, que tanto sublimaram;
Olá Pepe,
Obrigado por esses inícios de Epopeias... Mas, infelizmente, é claro que a grega ficou pelo caminho e penso que será em outra reencarnação, quando a poderei ler... Enfim, nunca se sabe...
jejeje bom,
dos teus gostos musicais Jacques... melhor não te digo sim...? :-) a canção... só regular...
Já vi que o Pepe deixou os origens...eu lendo alguns sonetos deste escritos lembrei desde soneto de Lope:
Desmayarse, atreverse, estar furioso,
áspero, tierno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, difunto, vivo,
leal, traidor, cobarde y animoso:
no hallar fuera del bien centro y reposo,
mostrarse alegre, triste, humilde, altivo,
enojado, valiente, fugitivo,
satisfecho, ofendido, receloso;
huir el rostro al claro desengaño,
beber veneno por licor suave,
olvidar el provecho, amar el daño;
creer que el cielo en un infierno cabe,
dar el alma y la vida a un desengaño;
esto es amor, quien lo probó lo sabe.
Olá Manuela...
O Vosso espanhol jejejeje, em português é lolololol... ok?
E a canção, tens de a colocar no século passado, na década de 80, o que já faz dela uma relíquia :)
Além disso, a letra é muito bonita, nessa mistura entre Camões e Apóstolo... Enfim, já sabes "Gosto é como....
Beijinhos
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