segunda-feira, 6 de abril de 2009

Curiosidades sobre o Fado

"Obrigada! Obrigada!"

Falar no fado é uma tarefa inglória, sobretudo quando se quer ser breve e surge a necessidade de se escolher o mais importante. Repete-se constantemente o nome de Amália Rodrigues – como evitá-lo? – e por isso colocarei aqui uma das suas canções: Que Estranha Forma de Vida. O Curioso desta canção está no facto de se ter repercutido na cultura lusófona e, por isso ter sido cantado também por Caetano Veloso – um dos nomes mais importantes da MPB – Música Popular Brasileira.



Estranha forma de vida

Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.

Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.

Eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.

Amália Rodrigues

No vídeo de Caetano que vos proponho aparece Amália – pois é, ela foi ver o seu concerto. Aqui peço para repararem num pormenor: a forma como Amália agradece e depois mexe as mãos! Infelizmente não consegui encontrar nenhum vídeo da Amália a dizer “Obrigada! Obrigada!”, a levantar os braços e mexer as mãos simultaneamente. É uma imagem clara para todos os portugueses, é um elemento cultural inesquecível e muitas vezes, ao ouvir “Obrigada! Obrigada!” pensamos nisso.



Fado de Lisboa

O Fado de Lisboa é de forma tradicional o mais conhecido e aquele que tem alcançado mais ampla divulgação a nível mundial. Não há consenso no momento de se definir as origens deste estilo musical uma vez que se referem elementos oriundos dos cânticos Mouros que permaneceram no bairro da Mouraria; do Lundum de origem africana por intermédio dos escravos que foram para o Brasil; mas também das Modinhas muitos populares nos séculos XVI e XVII. No entanto, seria impensável falar no fado lisboeta sem referir a Severa, fadista do século XIX que lançou as bases do fado contemporâneo e cuja vida repercute-se em inúmeros aspectos da cultura portuguesa, literária, musical, histórica, etc..

Como vimos na plataforma do curso e aqui, anteriormente, o outro grande nome do fado lisboeta, aquele que levou o fado à sua expressão mais internacional, é sem dúvida alguma Amália Rodrigues. No entanto, a actualidade abriu as portas para a fadista Mariza, nascida em Moçambique, dona de uma voz única e de um carisma que se embebe do fado para o viver a cada momento, como se fosse o último para assim o partilhar com quem a ouve.

Neste exemplo que vos proponho, Mariza canta um poema da obra "Mensagem" de Fernando Pessoa Ortónimo - ou seja, ele próprio e não um dos heterónimos com que desenvolveu grande parte do seu trabalho.

Cavaleiro Monge
Composição: Fernando Pessoa


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Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por casas, por prados
Por quinta e por fonte
Caminhais aliados

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por penhascos pretos
Atrás e defronte
Caminhais secretos

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por prados desertos
Sem ter horizontes
Caminhais libertos

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por ínvios caminhos
Por rios sem ponte
Caminhais sozinhos

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por quanto é sem fim
Sem ninguém que o conte
Caminhais em mim.



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Fado de Coimbra

Muito ligado às tradições académicas da respectiva Universidade, o fado de Coimbra é exclusivamente cantado por homens e tanto os cantores como os músicos usam o traje académico: calças e batina pretas, cobertas por capa de fazenda de lã igualmente preta. Canta-se à noite, quase às escuras, em praças ou ruas da cidade. Os locais mais típicos são as escadarias do Mosteiro de Santa Cruz e da Sé Velha. Também é tradicional organizar serenatas, em que se canta junto à janela da casa da dama que se pretende conquistar.

No vídeo seguinte temos o grupo conimbricense “AEMINIUM” a cantar o Fado “Coimbra, Menina e Moça” na Serenata Monumental da Queima das Fitas de 2001 que, por um lado, lembrar-vos-á claramente a serenata da queima das fitas que vimos ao falar de Coimbra e, por outro, o fado “Lisboa, menina e Moça” que muitos já ouviram comigo.



Fado Vadio

O artigo que vos proponho a seguir, publicado no jornal brasileiro FolhaOnLine, fala-nos da existência do Fado Vadio que, a par dos tradicionais fados de Lisboa e de Coimbra, mantém também ele, viva a tradição fadista portuguesa.

Esqueça o bacalhau seco e salgado e o fado de Amália Rodrigues, a dama da música portuguesa. Muito além dos estereótipos, nas mesas e nas madrugadas, pulsa uma Lisboa a ser descoberta por quem tem fome de novidades.

Há várias maneiras de penetrar a alma dessa capital e compreender melhor as influências que herdamos de nossos colonizadores. A poesia de Fernando Pessoa e a prosa de José Saramago, a estética do cineasta Manoel de Oliveira, as belas e conservadas igrejas católicas e os castelos centenários sempre encantam os turistas. Mas, na próxima vez que for à Lisboa, dê uma chance à cultura popular.

Uma de suas expressões mais autênticas é o fado vadio, o equivalente ao samba de morro brasileiro. Longe dos holofotes turísticos, é a música cantada pelo povo e para o povo. É uma experiência bem diferente da vivenciada nas tradicionais casas de show de fado, onde profissionais fazem malabarismos vocais noite após noite – geralmente em restaurantes caros e com comida ruim.

O fado vadio é cantado nas tascas, bares despretensiosos que servem cerveja gelada e comidinha com preços também no diminutivo. E quem solta a voz por aqui? Advogados, cozinheiras, lixeiros, empresários, arquitectas... até mesmo cantores profissionais, quando estão de folga. Sempre amparados por dois músicos com longa rodagem na noite, que fazem a base para os lamentos do fado, com um violão e uma guitarra portuguesa.

Nessa modalidade importam menos a qualidade do cantor e mais a emoção que ele transmite. Mas isso não se traduz num festival de desafinados. O fado vadio não é um show de calouros, muito menos um karaoke.

Antes, é preciso entender que o fado, que encontra sua origem na palavra destino, não se resume a um estilo musical para os portugueses. Ouvir um fado é presenciar e saber dividir um lamento, uma confissão de tristeza, de dor ou de angústia. Mas também de felicidade e gozo.

É perambulando de tasca em tasca noite adentro que muitos amadores se tornam profissionais com o tempo. Outros, que após alguns copos de cerveja tomam coragem, se levantam e pedem para desafiar em verso os violonistas – sem ensaio, mas com a letra decorada na alma. O espectáculo, invariavelmente emocionante, está garantido.



http://www1.folha.uol.com.br/folha/turismo/noticias/ult338u5381.shtml


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Observem pois através das fotos seguintes, da música e da entrevista, a ideia do fado vadio, que não procura a perfeição artística mas o prazer de viver o fado, de maneira popular e autêntica.



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Devo confessar que o mundo do fado é deveras bonito mas, mais importante do que a sua beleza, aqui, é a sua importância cultural, a nível também do seu vocabulário. Concluiremos pois por referir o xaile, como elemento claramente presente na realidade cultural do Fado - que serviu de tema para uma exposição em Sousel, no Alentejo.

Leiam a apresentação da exposição e vejam, a relação patente entre xaile, fado, alma e cultura nacional. Deixo-vos aqui também o cartaz do evento e algumas fotos.







"Cheira Bem!"

Certas músicas criam também automaticamente frases feitas que nos levarão sempre a pensar no fado. Dizer "cheira bem" faz-nos pensar no fado "CHeira bem, cheira a Lisboa"; falamos em putos e pensamos no fado com o mesmo nome; etc... São associações automáticas que carregam consigo o peso cultural que tem o fado na alma portuguesa.

Já sei que me tenho alargado e que dizia não querer dar demasiadas informações mas, além da imagem do xaile, quando se fala em fado, temos de referir também o quadro de José Malhoa - "O Fado" - pintado em 1910, que retrata claramente essa característica popular do Fado e que todos temos em mente quando a ele nos referimos.



Agora já sabem, deixem aqui o vosso comentário final, nem que seja para me insultar por ter colocado demasiadas informações... :)

16 comentários:

Mª José Buenavida disse...

Pois é, a verdade é que há muita informação, mas é assim como mais se aprende, não é?
Eu já conhecia algumas destas cantoras. Adoro como canta a Mariza e acho que faz que o fado seja reconhecido em todo o mundo.
Na procura de informação dela na Internet, li que tinha cantado com um cantor espanhol um dos seus fados. Cantou com Miguel Poveda "Meu fado". Ele em espanhol e ela em português, ou seja em "portuñol". Mas, depois de ouvir essa versão, continuo a preferir a portuguesa.
Bom, até breve. Beijinhos

JSongy disse...

Olá M. José,
Fado, fado tem de ser em português... Até mesmo o fado cantado por Caetano ficou bonito porque ganha ares de MPB o que o retira do campo dos fadistas... Isso de fado em Portuñol não pega. Imagina a Amália a cantar flamenco... Nem pensar! Beijinhos!

Eloísa disse...

Gostei muito de todas estas canções. Eu gosto de fados e surpreendi-me com os fados vadios pois não conhecia. A próxima vez que eu for á Lisboa tentarei visitar uma tasquinha dessas onde se cantam para os ouvir. Penso que, se calhar, é uma coisa parecida com o que acontece nalgumas tascas de Andalucia onde, após alguns copos de vinho, alguém tira uma guitarra e logo os aficionados ao canto flamenco toman coragem e lançam-se por “peteneras”, “bulerias”, “verdiales” etc. O ambiente que se vive é muito emocionante y autêntico, mas acho que é mais restringido e privado do que os fados vadios.

JSongy disse...

Olá Eloísa!
Sabes que eu também gosto muito do Flamenco (dançado)? Mas não no dia a dia... talvez como o fado... De vez em quando é bonito! E sempre quis ir a um sítio desses onde dançam o flamenco sem ser numa casa de espectáculos... Enfim, há tantas coisas bonitas para serem vistas e conhecidas, não é?
Beijinhos!

Miguel disse...

Fiquei impresionado ao ouvir o fado da Mariza. Quando se juntam uma voz maravilosa, uma composiçao de um grande poeta e uma musica bem feita , surge invetabelmente a magia...

Gostei muito do quadro de José Malhoa

JSongy disse...

Pois é Miguel, há tantas coisas bonitas por aí que desconhecemos, não é verdade! Continuemos pois, pela vida, à procura do belo e do mágico, e esqueçamos aquilo que nos reduz a meros espectadores infelizes! Abraços!

Anónimo disse...

Sou Alicia:
Penso que o fado é a alma dos portugueses. É a música com mais sentimento que tenho ouvido na minha vida. As cantoras que aparecen nos vídeos são impresionantes, especialmente a Mariza. Na minha opinião, para cantar bem fado não solo é preciso cantar bem senão ter um dom da natureza.

JSongy disse...

Olá Alicia,
Há pessoas que não gostam de Fado porque dizem que estão sempre a choramingar... Eu não concordo. Nalguns casos sim, mas há outros que revelam sentimentos positivos, ainda que o tom seja algo triste, muitas vezes, o sentimento é positivo. Enfim, a verdade é que não se pode gostar de portugal se se acha o fado feio... Não digo que se deva adorar o fado, mas pelo meno vê-lo com bons olhos, não?
Beijinhos

María disse...

Olá Jacquezs! Eu também gosto dos fados, mais em justa medida, pois são um bocadinho tristes, eu fico com tristeza si ouço muito fado. Eu lembro-e a noite que estivemos em Lisboa onde fomos jantar e enquanto cantava uma cantora os fados. Foi muito bonito, eu gostaría voltar. Até Pronto.

JSongy disse...

Olá Maria,
O fado pode ser algo triste mas também há alguns mais alegres, é como tudo... O certo é que mesmo sendo triste, às vezes o estado de melancolia sabe bem, deixar sair da alma os nossos sentimentos de tristeza, como forma de purificação... Não?
Beijinhos e bom feriado!

Miguel disse...

Olá Jacques,
So quer decir que ouví la radio que o fado e candidato a patrimonio da humanidade para 2009
Beijinhos, Miguel

JSongy disse...

Olá Migue,
Pois é, eu também ouvi isso na rádio. Espero que consigam porque é realmente um elemento cultural único com características próprias e, ao mesmo tempo, a imagem viva de Portugal e das suas tradições!
Já veremos, não é? Abraços!

Pepe disse...

Sentimento, paixão, vida enfim.
A expressão do coração, a alma com música, com a voz doce, suave para penetrar no interior.
O fado é o olhar dum país.

JSongy disse...

Pepe, Aqui sim estiveste inspirado... Para escrever este retrato tão profundo, deves gostar de fado, não?
Abraços!

Unknown disse...

Bom,o fado não é da música que mais gosto mas tenho de dizer que gosto da mistura que últimamente estão a fazer com o fado-flamenco, fado-jazz etc. Sei que os portugueses "puristas" não gostam muito desto mas acho que qualquer arte evolui, por isso se o fado é uma arte deve evoluir também, e que melhor que fazé-lo com o flamenco, não é...?

JSongy disse...

Manuela,
Eu também não osto muito de fado, ou melhor dizendo, gosto mas não muito seguido... Enfim, o certo é que não concordo contigo... para o meu gosto, sou conservador, nos estilos musicais: Fado é fado, jazz, jazz e por aí a fora... Mas, e já que o curso está a acabar porque não soltar aqui algo como "Gosto é como cu, cada um tem o seu"!