sexta-feira, 24 de abril de 2009

Fernando Pessoa


Agora que já conhecem um pouco mais do poeta Fernando Pessoa e do seu desdobramento de personalidade, podemos ver alguns exemplos da aplicação da sua obra. Assim como outros poetas portugueses tiveram o seu eco na cultura brasileira - o inverso também acontece e essa relação de reciprocidade também existe entre os restantes países de expressão lusófona. Vimos Camões cantado pelo grupo rock brasileiro dos anos 80/90 Legião Urbana, aqui, apresento-vos uma versão cantada por Maria Bethânia. Já sei que estamos aqui para falar de cultura portuguesa, mas porque não acrescentar informações sobre o Brasil - não são irmãos os dois países? Maria Bethânia é outro dos grandes nomes da MPB - Música popular Brasileira e irmã de Caetano Veloso que muitos conhecem e que vimos aqui no blog a cantar Amália Rodrigues.



Esta cantora lançou, em 1997, o CD "Imitação da Vida" - gravado ao vivo em São Paulo - onde canta, entre outras canções inspiradas em poemas de Pessoa e não só, a canção "Mensagem", uma fusão entre o poema "Todas as cartas de amor são ridículas" de Álvaro de Campos, Heterónimo de Pessoa e a canção "Mensagem" composta por Aldo Cabral e Cícero Nunes, compositores brasileiros, nos anos 40.



Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou
Com uma carta na mão
Ah! De surpresa, tão rude,
Nem sei como pude chegar ao portão
Lendo o envelope bonito,
O seu sobrescrito eu reconheci
A mesma caligrafia que me disse um dia
"Estou farto de ti"
Porém não tive coragem de abrir a mensagem
Porque, na incerteza, eu meditava
Dizia: "será de alegria, será de tristeza?"
Quanta verdade tristonha
Ou mentira risonha uma carta nos traz
E assim pensando, rasguei sua carta e queimei
Para não sofrer mais

Todas as cartas de amor são ridículas,
Não seriam cartas de amor, se não fossem ridículas
Também escrevi, no meu tempo, cartas de amor como as outras, ridículas
As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas
Quem me dera o tempo em que eu escrevia, sem dar por isso, cartas de amor ridículas
Afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas

Porém não tive coragem de abrir a mensagem
Porque, na incerteza, eu meditava
Dizia: "será de alegria, será de tristeza?"
Quanta verdade tristonha
Ou mentira risonha uma carta nos traz
E assim pensando, rasguei sua carta e queimei
Para não sofrer mais

Quanto a mim o amor passou
Eu só lhe peço que não faça como gente vulgar
E não me volte a cara quando passa por si
Nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor
Fiquemos um perante o outro
Como dois conhecidos desde a infância
Que se amaram um pouco quando meninos
Embora na vida adulta sigam outras afeições
Conserva-nos, escaninho da alma, a memória de seu amor antigo e inútil
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Como sabem, F. Pessoa, o próprio, ou seja, hortónimo, publicou, em vida, apenas uma obra integral: "Mensagem" - na qual retoma a glória portuguesa de antanho e o poder marítimo desse povo na altura dos descobrimentos. Aqui surge outro dos poemas mais bonitos, não só de Pessoa mas da cultura portuguesa: "Mar Português". Um clássico, um poema que reflecte com alma o sofrimento do povo na altura dos descobrimentos. Uma vez mais terei de propor uma versão brasileira da adaptação musical. Para que vocês vejam a importância de Pessoa na vastidão da lusofonia.

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma nao é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Se quiserem informações sobre o Bojador, é só clicar no nome, no poema.



Não consegui identificar quem era o cantor brasileiro que propões esta versão mas pareceu-me bastante interessante, nomeadamente, a exposição fotográfica com belíssimas paisagens portuguesas.
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Concluamos esta reflexão pessoana com um monstro, um gigante: o gigante Adamastor ou seja, O Monstrengo:

O monstrengo que está no fim do mar,
Na noite de breu ergueu-se a voar ;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme, disse tremendo,
“El-Rei D. João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o monstrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu, e disse,
“El-Rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes,
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu ;
E mais que o monstrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

Na simbologia do vocabulário português, encontramos, pois, as duas palavras: Monstrengo e Gigante, associadas a dois dos maiores poetas de Portugal, respectivamente, Pessoa e Camões. Cliquem nos nomes para conhecer essa relação e a sua respectiva simbologia!

Terminemos pois recordando que já tínhamos visto outro poema de Pessoa na voz de uma cantora, também ela digna de menção: O Cavaleiro Monge cantado por Mariza.

Bom, já sabem, deixem algum comentário por aqui, ok? E não hesitem em levar para o Glossário do curso vocabulário novo. Abraços!

12 comentários:

Mª José Buenavida disse...

Olá a todos! Não sabia que Cavaleiro Monge fosse um poema de Pessoa...

O que sim tenho sabido com a procura na Internet é que da sua vida em Portugal com a familia conhecem-se algumas das personalidades que colaboram com ele nos seus primeiros artigos jornalísticos, nos seus jornáis manuscritos A Palavra y O Palrador, onde escreve em português, embora a sua educação fosse inglesa.
Uma dessas personalidades é o Dr. Pancrácio que colabora nos dois jornáis e que vai acompanhar o poeta no seu regresso a Durban, onde se manifestará a través de um ensayo humorístico, escrito em inglês. E no regresso definitivo de Fernando Pessoa a Portugal, em 1905, a continuar a sua colaboração em O Palrador.
Nesse jornal também colaboram Pedro da Silva Salles (redactor), Luiz António Congo (secretário de redacção), José Rodriquez do Valle (na direcção literaria) e António Augusto Rey da Silva (como administrador).
Então, Fernando Pessoa crea sozinho não só um jornal senão também toda a sua equipa.

E, como não podia ser de outro modo, acabo com Autopsicografia.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
na dor lida sentem bem
não as duas que ele teve
mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
gira, a entreter a razão,
esse comboio de corda
que se chama o coração.

Anónimo disse...

Manuela disse
Gostei muito da canção "Mensagem"
Disse muitas verdades ao escrever sobre o amor, todos/as parecemos um pouco ridículos. Não é?

JSongy disse...

Olá M. José. Agradeço a poesia sobre a autopsicografia. Eu tinha pensado colocá-la no Blog mas havia tantas coisas interessantes que decidi pôr um fim... Mas esse poema mostra claramente o desvio mental do poeta. Há muitos poemas bonitos e para quem gosta de poesia, Pessoa é um excelente companheiro! Beijinhos!

JSongy disse...

Manuela,

Essa canção é muito bonita mesmo. E diz uma grande verdade... Além disso, Maria Bethânia dá-lhe uma entoação bastante romântica... afinal, o amor acaba por ser uma coisa muito ridícula... Mas, enfim, ridículo ou não, vale a pena, não é assim? Beijinhos!

Eloísa disse...

Fernando Pessoa é o mais complexo e pode ser que o mais importante poeta europeu do século XX. Na sua obra vai-se mudando da vanguardia ao clasicismo talvez por ese afán que tinha de querer ser tudo e de todas as maneiras.
A Pessoa importava-lhe muito o sistema de relações humanas, desde o amor à amizade; porém, ao parecer, ele assistia à vida de longe, como uma espécie de espéctador que nunca se mistura nas pequenas coisas que sucedem.

JSongy disse...

Olá Eloísa,
Bom comentário mas já leste poemas de F. Pessoa? À excepção dos que estão aqui? Vale a pena, são muito interessantes... de todos o meu freferio - dos heterónimos claro - é o Álvaro de Campos... Beijinhos!

Pepe disse...

Um ser dentro de outros ou outros. Todos somos vários, mas os medos à loucura/realidade assassina e nao ficamos que com mais normal, segundo as tradições, as relações, os outros enfim.
Viver várias vidas plenamente, sem travões de realidade/normalidade, e poder partilhá-las através da poesia ou simplesmente com diferentes olhares cada dia, se calhar, faria-nos mais humanos.

miguel disse...

Que bonita a canção de Maria Bethânia e que pena de ter que teminar o curso que e como uma imitação da vida ...

JSongy disse...

Olá pepe,
Não sabia que tínhamos um poetas entre os alunos... :) Belo comentário e é verdade, não somos todos vários no mesmo ou vários paralelos? Não sei de quê darás aulas mas tens jeito para moldar a língua e em português, ainda por cima!!! Abraços

JSongy disse...

Pois é Miguel... O Curso chega ao seu fim... Quem sabe não volto a propor algo assim no ano que vem? Eu apreciei muito também. De qualquer forma, como dizia o nosso amigo pessoa: "Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena!"
Abraços!

Unknown disse...

Bom, ao ler e ouvir Mensagem lembrei-me duma piada atribuida a Pessoa...
Contam que Cecilia Meireles foi a Portugal para dar umas palestras na Universidade de Coimbra e desejava conhecer a Fernando Pessoa pois era fã dele. Consiguiu combinar com ele e o encontro foi marcada ao médio-dia, mas ela esperou inutilmente até as dois da tarde e Pessoa não chegou.
Quando chegou ao hotel encontrou um ejemplar do livro Mensagem e uma nota do poeta onde esclarecia que não foi ao encontro porque consultou aos astros e, segundo o seu signo "os dois não se encontrarian". De facto, não se encontraram pois no ano seguinte Pessoa morreu.
Manuela Parejo

JSongy disse...

Olá Manuela...
Dizes piada mas isso é uma história... Piada é chiste :)...
Mas bastante curiosa a história... Usando uma expressão espanhola o Pessoa estava mesmo como uma cabra! :)